22 março 2014

Artigo: O Pecado do Papa

Por Paulo Cabral Tavares - advogado

Quando eu era menino, a gente pescava piabas com tubos de candeeiros, no rio de Contas. Sim, não havia energia elétrica e todo mundo tinha, pelo menos, um candeeiro em casa que funcionava com querosene, com tubos de vidro. Quando um destes tubos quebrava, trincava ou por alguma razão se tornava imprestável se fazia uma espécie de ferramenta para pescar piabas. Tapava-se um lado com pano e se colocava farinha dentro do tubo, as piabas entravam e não havia espaço para fazer a volta, ficando presas ali dentro. Eram poucas. Eu acho que não ficavam dentro do tubo mais do que quatro piabas, quando muito.

Nós tínhamos uma vizinha que era uma verdadeira rival de minha mãe no sentido de divergirem de quase tudo. Discutiam até acerca da idade minha com o primeiro filho dela. Afirmando que um era mais velho do que o outro.

Como a piaba da vizinha é sempre maior e mais bonita, eu furtei as piabas que estavam dentro do tubo de candeeiro dela. Coisa de menino. Se bem me lembro devia ter uns dez anos. Não deu outra, e a senhora veio se queixar de minha mãe dizendo que eu tinha roubado as suas piabas. Míseras três piabinhas de nada. E se não me engano me chamou de ladrão. Tomei a maior surra de minha vida. Não pelas piabas, eu acho, mas pela humilhação que eu proporcionei à minha mãe de ser afrontada pela rival e ter de engolir que o seu filho mais velho era ladrão de piabas. A atitude de minha mãe era o esperado que ela fizesse naquele tempo: “disciplinar” exemplarmente os filhos para que não se tornassem pessoas ruins.

Eu contei isto num comício quando candidato a prefeito. Para demonstrar a forma, como menino pobre eu fui criado. A exposição tem as suas vantagens, mas também paga seu preço. Um camarada que estava no comício, opositor, certamente, comentou em voz alta que eu não prestava mesmo para ser prefeito, pois era ladrão desde menino. Quase deu confusão.

Certamente é um episódio que não enobrece a minha biografia. Mas agora vem o Papa Francisco para confessar de público que também afanou um crucifixo de outro padre, seu colega, no caixão deste, por ocasião do enterro. É muita coragem de um líder religioso divulgar uma coisa destas. Mas ao contrário, em vez de diminuir o seu conceito perante mim, ele cresceu mais ainda.

Parece que o seu objetivo é demonstrar que o papa é uma pessoa como todos nós. Capaz de erros e acertos. Que pode cometer os seus pecados. Que não é infalível como prega a doutrina. Que tem momentos de extrema fraqueza. E que é capaz de vir a público pedir perdão por um pecado menor como furtar um crucifixo. Antes um cidadão humano capaz de uma coisas destas, que certamente purgou durante toda a sua vida, tanto que carrega até hoje o crucifixo ao alcance da mão, para quando a coisa apertar um pouco, ele o tocar e se lembrar de sua fraqueza e se sentir encorajado a não mais fraquejar. Antes assim do que ter aparentemente uma vida de santo sem que ninguém saiba do que se passa nos porões das almas de muito líder que existe por aí.

Parabéns Francisco. Eu levei uma surra danada. Mas você deve ter apanhado espiritualmente muitas vezes durante a vida, nos momentos em que você exercia o seu sacerdócio e se lembrava do episódio. Até que foi capaz de fazer esta penitência pública. Purgar o seu pecado perante todos os seus liderados.

O meu pecado foi menor. Mas duvido que eu seja uma pessoa santa como você é. Certamente todos nós já lhe perdoamos, pois, temos a certeza que Deus já lhe perdoou há muito tempo.
                                               
Ubatã, 20 de março de 2014.
 Paulo Cabral Tavares