
Por: Paulo Cabral Tavares - Advogado
Estávamos todos
lá. Na antessala (parece que é assim que se escreve hoje) do local de operação.
A apreensão estava no ar. O clima de tensão era evidente. Todos idosos, ou
quase. A catarata, salvo se ocasionada por alguma anomalia congênita, ou
adquirida, é uma doença de velhos. Quer dizer, quase todos nós teremos
provavelmente catarata, se vivermos o suficiente para gastar as vistas.
A maioria era
composta de mulheres. Senhoras nervosas. Uma perto de mim, confessou que havia
chorado no banheiro. Outra não dormiu na noite anterior. A tensão aproxima as
pessoas e nos torna quase íntimos. Descobri que outra morava vizinha a uma irmã
minha de Jequié. E uma terceira nos contou que nos últimos dez anos tinha
tomado conta do marido com mal de Alzheimer. Gente de toda parte, de Jequié, de
Itabuna, de Ubatã, de Mascote, várias partes da Bahia. Reunidos, com encontro
marcado, na antessala operatória do DayHORC. Ligados pela catarata.
A partir de sete
horas por ordem de chegada. Colírios a todo instante. A tensão aumentando. Nove e meia, chega a estrela da companhia. O
médico operador. Nós todos já vestidos de touca na cabeça, um macacão azul e
galochas de plástico descartáveis. Ele também.
Faz um breve
discurso, nos dando conhecimento de que antes de começar a operar, costuma
fazer uma prece. Uma das funcionárias do hospital lê um versículo que fala que
Deus não faz acepção de pessoas. Depois eu descobri que a leitora era a
faxineira do hospital. Ela faz um breve comentário e diz que a prece está
aberta a todos, cristãos, católicos e todos os demais.
O Doutor abre a
palavra e muitas pessoas participam. Um dos idosos invoca Nossa Senhora (talvez
em reação à afirmativa da leitora) e nos faz rezar a Ave-Maria. O médico aceita
o comentário e diz que Nossa Senhora estava também na Bíblia. Outros também se manifestam. Na hora do
aperto todo mundo que pedir a ajuda de Deus. Por fim rezamos todos um pai
nosso. Estávamos todos reunidos pela catarata. Encorajando-nos mutuamente.
Solidários. Dizem que o mineiro só é solidário no câncer. Nós estávamos
solidários na catarata.
E então o Doutor
faz uma preleção que me pareceu sincera. Durante uns vinte minutos ele fala de
humildade e de fé. Da sua crença em Deus, afirmando que a ciência já comprovou
a existência de Deus. Talvez estivesse se referindo ao boson de highs. Uma
coisa eu quero dizer. Ali estavam pessoas fazendo a operação pagando caro ou
através de seus planos de saúde, comprando lentes importadas, mas também muitas
pessoas fizeram pelo SUS. Mas o tratamento, de primeira é bom que se diga, foi
igual para todos. Sem acepção de pessoas.
E começa o show.
A operação é feita numa sala que tem parede de vidro. Todos podem, do lado de
fora, assistir ao vivo e também acompanhar através de um telão, vendo todos os
movimentos da cirurgia, desde a retirada da lente natural à colocação da lente
fabricada.
Eu não quis ver
antes de fazer. Para não me intimidar quando chegasse a minha hora. Com coragem
- nem tanto assim – mas com resignação enfrentei sem negacear. ”A sua cirurgia
foi um sucesso” me segredou o cirurgião. Fiquei feliz, mas desconfiei que ele
diz isso a todos, como aquele galanteador que elogia as mulheres.
Depois daqueles
breves momentos que nos uniram na espera da cirurgia, a nós operados, parece
que não nos veremos jamais. Houve aquele instante de proximidade, de quase
intimidade, para se dissipar para sempre. Bem que eu gostaria de saber do
resultado dos outros. Do seu pós, como disseram alguns.
Estou em
recuperação. De fato, esperava que os resultados fossem mais rápidos. Mas
muitas pessoas que também se submeteram à cirurgia me dizem que é assim mesmo e
que a recuperação é, às vezes, um pouco lenta.
Realmente houve uma grande melhora, principalmente no que diz respeito
às cores. Mas ainda não estou cem por cento. Espero ficar completamente
recuperado dentro em breve, livrando-me para sempre dos óculos de grau.
Assim Deus me
ajude. Espero que vocês todos que estão lendo esta crônica, digam, Amém.
Ubatã, 17 de
fevereiro de 2014.
PAULO CABRAL TAVARES