21 fevereiro 2014

Artigo: Catarata II

Por: Paulo Cabral Tavares - Advogado

Estávamos todos lá. Na antessala (parece que é assim que se escreve hoje) do local de operação. A apreensão estava no ar. O clima de tensão era evidente. Todos idosos, ou quase. A catarata, salvo se ocasionada por alguma anomalia congênita, ou adquirida, é uma doença de velhos. Quer dizer, quase todos nós teremos provavelmente catarata, se vivermos o suficiente para gastar as vistas.

A maioria era composta de mulheres. Senhoras nervosas. Uma perto de mim, confessou que havia chorado no banheiro. Outra não dormiu na noite anterior. A tensão aproxima as pessoas e nos torna quase íntimos. Descobri que outra morava vizinha a uma irmã minha de Jequié. E uma terceira nos contou que nos últimos dez anos tinha tomado conta do marido com mal de Alzheimer. Gente de toda parte, de Jequié, de Itabuna, de Ubatã, de Mascote, várias partes da Bahia. Reunidos, com encontro marcado, na antessala operatória do DayHORC. Ligados pela catarata.

A partir de sete horas por ordem de chegada. Colírios a todo instante. A tensão aumentando.  Nove e meia, chega a estrela da companhia. O médico operador. Nós todos já vestidos de touca na cabeça, um macacão azul e galochas de plástico descartáveis. Ele também.

Faz um breve discurso, nos dando conhecimento de que antes de começar a operar, costuma fazer uma prece. Uma das funcionárias do hospital lê um versículo que fala que Deus não faz acepção de pessoas. Depois eu descobri que a leitora era a faxineira do hospital. Ela faz um breve comentário e diz que a prece está aberta a todos, cristãos, católicos e todos os demais.

O Doutor abre a palavra e muitas pessoas participam. Um dos idosos invoca Nossa Senhora (talvez em reação à afirmativa da leitora) e nos faz rezar a Ave-Maria. O médico aceita o comentário e diz que Nossa Senhora estava também na Bíblia.  Outros também se manifestam. Na hora do aperto todo mundo que pedir a ajuda de Deus. Por fim rezamos todos um pai nosso. Estávamos todos reunidos pela catarata. Encorajando-nos mutuamente. Solidários. Dizem que o mineiro só é solidário no câncer. Nós estávamos solidários na catarata.

E então o Doutor faz uma preleção que me pareceu sincera. Durante uns vinte minutos ele fala de humildade e de fé. Da sua crença em Deus, afirmando que a ciência já comprovou a existência de Deus. Talvez estivesse se referindo ao boson de highs. Uma coisa eu quero dizer. Ali estavam pessoas fazendo a operação pagando caro ou através de seus planos de saúde, comprando lentes importadas, mas também muitas pessoas fizeram pelo SUS. Mas o tratamento, de primeira é bom que se diga, foi igual para todos. Sem acepção de pessoas.

E começa o show. A operação é feita numa sala que tem parede de vidro. Todos podem, do lado de fora, assistir ao vivo e também acompanhar através de um telão, vendo todos os movimentos da cirurgia, desde a retirada da lente natural à colocação da lente fabricada. 

Eu não quis ver antes de fazer. Para não me intimidar quando chegasse a minha hora. Com coragem - nem tanto assim – mas com resignação enfrentei sem negacear. ”A sua cirurgia foi um sucesso” me segredou o cirurgião. Fiquei feliz, mas desconfiei que ele diz isso a todos, como aquele galanteador que elogia as mulheres.

Depois daqueles breves momentos que nos uniram na espera da cirurgia, a nós operados, parece que não nos veremos jamais. Houve aquele instante de proximidade, de quase intimidade, para se dissipar para sempre. Bem que eu gostaria de saber do resultado dos outros. Do seu pós, como disseram alguns.

Estou em recuperação. De fato, esperava que os resultados fossem mais rápidos. Mas muitas pessoas que também se submeteram à cirurgia me dizem que é assim mesmo e que a recuperação é, às vezes, um pouco lenta.  Realmente houve uma grande melhora, principalmente no que diz respeito às cores. Mas ainda não estou cem por cento. Espero ficar completamente recuperado dentro em breve, livrando-me para sempre dos óculos de grau.

Assim Deus me ajude. Espero que vocês todos que estão lendo esta crônica, digam, Amém.

Ubatã, 17 de fevereiro de 2014.

                       PAULO CABRAL TAVARES